quarta-feira, 14 de outubro de 2009

AGRESSÃO REINCIDENTE AO DIREITO DO TRABALHADOR É DUMPING SOCIAL

Abaixo, trechos de belo texto do jurista e professor de direito do trabalho na USP Jorge Luiz Souto Maior, juiz titular na 3ª Vara do Trabalho de Jundiaí, palestrante e conferecista, formado na Faculdade de Direito do Sul de Minas, especializou-se em direito em 1987 pela mesma faculdade, e pela USP em 1990. Mestre e Doutor em Direito pela USP e pela Universite de Paris II, França.
Tanto como professor quanto como magistrado, Jorge Luiz Souto Maior tem buscado enfatizar o caráter humanista do direito do trabalho e é um adversário ferrenho da tendência flexibilizadora da legislação trabalhista, bem como da terceirização da mão de obra assalariada.



AGRESSÕES REINCIDENTES A DIREITOS TRABALHISTAS SÃO CONSIDERADAS DANO SOCIAL
Por Jorge Luiz Souto Maior

As agressões reincidentes aos direitos trabalhistas geram um dano à sociedade, pois com tal prática desconsidera-se, propositalmente, a estrutura do Estado social e do próprio modelo capitalista com a obtenção de vantagem indevida perante a concorrência. A prática, portanto, reflete o conhecido “dumping social”.
O dano à sociedade configura-se ato ilícito, por exercício abusivo do direito, já que extrapola limites econômicos e sociais, nos exatos termos dos arts. 186, 187 e 927 do Código Civil.

Sob o aspecto do direito do trabalho, que tanto protege o trabalhador, individualmente considerado, quanto se constitui a regulação do modelo capitalista de produção, impondo a este limites e diretrizes, claro está que a prática deliberada do desrespeito ao direito do trabalho provoca dano não somente à pessoa do agredido mas também à sociedade como um todo. Lembre-se que o direito do trabalho, que muitos, inadvertidamente, situam como direito privado, dita as políticas públicas da produção, da economia e da luta contra o desemprego (problemas cruciais para o Estado capitalista), sem falar da influência dessa regulação nas relações internacionais.


REPARAÇÃO AO DANO NÃO É DE NATUREZA APENAS INDIVIDUAL, MAS TAMBÉM SOCIAL, COLETIVA.
Assim, a reparação do dano, em alguns casos, pode ter natureza social e não meramente individual. Não é, portanto, unicamente, do interesse de ressarcir o dano individual que se cuida. Em se tratando de práticas ilícitas que tenham importante repercussão social, a indenização, visualizando esta extensão, fixa-se como forma de desestimular a continuação da prática do ato ilícito, especialmente quando o fundamento da indenização for a extrapolação dos limites econômicos e sociais do ato praticado, pois sob o ponto de vista social o que importa não é reparar o dano individualmente sofrido, mas impedir que outras pessoas, vítimas em potencial do agente, possam vir a sofrer dano análogo.

A pertinência desses dispositivos no direito do trabalho é gritante, pois, normalmente, as agressões ao direito do trabalho acabam atingindo uma grande quantidade de pessoas, sendo que destas agressões o empregador muitas vezes se vale para obter vantagem na concorrência econômica com outros empregadores. Isto implica, portanto, dano a outros empregadores que, inadvertidamente, cumprem a legislação trabalhista, ou, de outro modo, acaba forçando-os a agir da mesma forma, precarizando, por completo, as relações sociais, que se baseiam na lógica do capitalismo de produção. Óbvio que esta prática traduz-se em “dumping social”, que prejudica a toda a sociedade e óbvio, igualmente, que o aparato judiciário não será nunca suficiente para dar vazão às inúmeras demandas em que se busca, meramente, a recomposição da ordem jurídica, o que representa um desestímulo para o acesso à justiça, forçando a prática dos acordos trabalhistas, e tudo somado acaba constituindo mais um incentivo ao descumprimento da ordem jurídica.

DESCUMPRIR A LEGISLAÇÃO TRABALHISTA É VIRAR AS COSTAS PARA A HUMANIDADE.
Nunca é demais recordar, que descumprir, deliberada e reincidentemente, a legislação trabalhista, ou mesmo por em risco sua efetividade, representa até mesmo um descomprometimento histórico com a humanidade, haja vista que a formação do direito do trabalho está ligada diretamente com o advento dos direitos humanos que foram consagrados, fora do âmbito da perspectiva meramente liberal do Século XIX, a partir do final da 2a. guerra mundial, pelo reconhecimento de que a concorrência desregrada entre as potências econômicas conduziu os países à conflagração.

(...)

Com relação às empresas que habitam o cotidiano das Varas, valendo-se da prática inescrupulosa de agressões aos direitos dos trabalhadores, para ampliarem seus lucros, a mera aplicação do direito do trabalho, recompondo-se a ordem jurídica, com pagamento de juros de 1% ao mês, não capitalizados, e correção monetária, por óbvio, não compensa de forma integral, nem o dano sofrido pelo trabalhador, individualmente considerado, quanto mais o dano experimentado pela sociedade.

Portanto, as reclamações trabalhistas em face uma mesma empresa que apresenta agressões reincidentes, tais como: salários em atraso; pagamento de salários “por fora”; trabalho em horas extras de forma habitual, sem anotação de cartão de ponto de forma fidedigna e o pagamento do adicional correspondente; não recolhimento de FGTS; não pagamento das verbas rescisórias; ausência de anotação da CTPS (muitas vezes com utilização fraudulenta de terceirização, cooperativas de trabalho, estagiários, temporários etc.); não concessão de férias; não concessão de intervalo para refeição e descanso; trabalho em condições insalubres ou perigosas, sem eliminação concreta dos riscos à saúde etc., devem resultar em condenação de uma indenização, por dano social, arbitrada “ex officio” pelo juiz, pois a perspectiva não é a da proteção do patrimônio individual.

Conforme dispõe o art. 404, do Código Civil, a indenização por perdas e danos, em casos de obrigações de pagar em dinheiro (caso mais comum na realidade trabalhista) abrangem atualização monetária, juros, custas e honorários, sem prejuízo de indenização suplementar, a ser fixada “ex officio” pelo juiz, no caso de não haver pena convencional ou serem insuficientes os juros para reparar o dano.

Tal dispositivo, portanto, tanto pode justificar a fixação de uma indenização ao trabalhador, de caráter individual, diante da ineficácia irritante dos juros de mora trabalhista, quanto serve para impor ao agressor contumaz de direitos trabalhistas uma indenização suplementar, por dano social, que será revertida a um fundo público, destinado à satisfação dos interesses da classe trabalhadora.



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